Terroirs da Toscana dão origem a obras-primas cultuadas por enófilos de todo o mundo. Nesta matéria, tudo o que é preciso saber para degustar um toscano com um prazer ainda maior.
A história vinícola da Toscana é bastante antiga, remontando à época em que ali viviam os etruscos, povo cujo reinado foi anterior à expansão do Império Romano. Graças à pujança cultural e econômica no final da Idade Média, a Toscana é uma das regiões com maior documentação disponível a respeito das tradições e costumes vinícolas. Berço do Renascimento, cidades autônomas como Firenze (Florença) e Siena eram centros culturais e mercantis, e muitas das exportações de vinhos eram negociadas nestas cidades. Antes dominada pela cultura do trigo e das oliveiras, a região vê crescer em tamanho e importância o plantio de uvas para a produção vinífera a partir da sucessão de governos dos Médici. Desde esta época, o Chianti já era considerado o vinho mais valorizado da Toscana. Passados momentos de glória e de obscuridade, ele está há séculos ligado a nomes nobres que até hoje o produzem, como Frescobaldi, Ricasoli e Antinori. Ao mesmo tempo, na mesma Toscana, surgiu um importante movimento que causou a recente revisão da legislação italiana para o vinho e a ascensão de estrelas como o Tignanello e o Solaia, acrescentando novas uvas italianas e francesas ao panorama da produção vinícola regional.
Localização, solo e clima
A região da Toscana marca o início da área central da Itália, fazendo fronteira ao norte com a Emilia-Romagna, a noroeste com a Ligúria e ao leste com Marche e Úmbria. Ao sul, limita-se com o Lazio, sendo a oeste banhada pelo mar Tirreno. A região é dominada por suaves colinas (68% do total), tendo apenas 8% de áreas planas e o restante do território já mais acidentado, na subida dos montes Apeninos a leste. A região se estende por cerca de 23.000 km², com uma área plantada de 64.000 ha e produz 2.9 milhões de hectolitros por ano. A composição do solo é variada: na região nordeste, é de origem calcária e dolomítica. No pré-Apenino, as colinas de origem vulcânica são pontuadas por áreas argilosas e arenosas. Nas bacias dos rios Arno, Orta e Ombrone, os solos são arenosos, tendo no primeiro predomínio de rochas sedimentares e nos demais de cascalho grosso. No vale do rio Elsa, no entanto, a argila prevalece. Podem ser encontrados também solos sedimentares marinhos em alguns trechos. Os principais rios são o Arno, Tevere (Tibre) e Ombrone, tributários do Mar Tirreno, a oeste, e Reno, Saterno e lamone, que desaguam no Adriático, mar que banha o leste da bota. As chuvas atingem, em média, 600 mm/ano; o clima no interior é mais seco e frio, ficando temperado à medida que se aproxima da costa. A vegetação é dominada pelos ciprestes e outros arbustos, além das oliveiras e videiras que ocupam vastas áreas de cultivo.
Vinhos da Região Chianti
O Chianti é um dos vinhos com mais história da Itália, havendo registros do século 13 que fazem referência a ele e a sua região de origem. A região do Chianti disputa com a do vinho do Porto, em Portugal, a primazia de ter sido a primeira delimatação oficial de produção. Em 1716, o grão-duque da Toscana, Cosimo III, da dinastia Medici, demarcou as colinas entre as cidades de Firenze e Siena como área autorizada a utilizar a denominação Chianti. Assim, o eixo cultural do Renascimento e um dos primeiros focos que futuramente formariam uma identidade nacional italiana - tornou-se um dos símbolos enológicos da Itália. Apesar do reconhecimento legal e do mercado global, ainda havia uma grande flexibilidade no uso das uvas que compunham os Chianti. O pouco cuidado com a seleção de cepas e a vinificação conjunta de uvas tintas e brancas fazia com que a produção regional fosse heterogênea. Pode-se dizer que o Chianti "moderno" foi inventado em 1872 pelo barão Bettino Ricasoli, de uma das tradicionais famílias produtoras da região. Após anos de estudo enológicos na reclusão do Castello di Broglio, uma bela propriedade de sua família, o homem que foi o segundo primeiro-ministro da Itália unificada chegou a uma fórmula para definir o vinho do Chianti. Para vinhos de guarda, a Sangiovese deveria representar papel majoritário, podendo ser amaciada por uma pequena parcela de Canaiolo. Para vinhos mais jovens poderia ainda acrescentar um pouco da branca Malvasia, para dar leveza e frescor. A proporção por ele considerada ideal era 90% de Sangiovese, 8% de Canaiolo e 2% de Malvasia, podendo chegar a 10% a adição de uva branca para vinhos jovens. Esta receita se firmou por muito tempo, tendo sofrido pequenas alterações posteriormente, como a permissão para o uso da Trebbiano, também branca, na composição.
O surgimento do Chianti Classico
O crescimento da fama do vinho do Chianti favoreceu a expansão das plantações e do número de produtores, já não "cabendo" mais na pequena região delimitada por Cosimo de Medici séculos antes. Com o surgimento de novas denominações e de proprietários que privilegiam a produção em larga escala de vinhos de qualidade duvidosa, a reputação do Chianti começou a sofrer sérios abalos. A fim de contornar a situação, um comitê de produtores denominado Consorzio Vino Chianti Classico estabeleceu em 1924 uma nova regulamentação. Tendo como símbolo o Galo Nero, um selo com um galo negro até hoje colado no gargalo, estes produtores restringiram a denominação Chianti Classico à área originalmente demarcada como Chianti, na qual uma legislação própria foi adotada. Indignados pela mudança nas regras, produtores excluídos da zona original se reuniram numa organização conhecida como Consorzio Vino Chianti.
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