Neste número apresentamos a continuação da máteria iniciada no número anterior, em que revivemos os princípios básicos da harmonização e examinamos cada um dos componentes gustativos, texturas e aromas, que influenciam numa boa harmonização e constituem os fundamentos das regras comumente utilizadas na prática enogastronomica.
Nesta parte, vamos adicionr mais alguns conceitos importantes para a escolha de um vinho.
1- ETAPAS DA HARMONIZAÇÃO
O planejamento de uma harmonização é constituído de três etapas:
1) Analisar os componentes gustativos, texturas e aromas do prato;
2)Identificar o elemento-chave, que é o que mais se destaca no prato e, ao mesmo tempo avaliar o nível de intensidade de abor do prato;
3)Escolher uma harmonização por similaridade ou contraste, com base no elemento-chave e intensidade de sabor.
Esta escolha pode ainda ser enriquecida se encontrarmos um vinho que traga mais de um elemento de combinação.
Outro fator importante é harmonizar o custo apropriado para a ocasião.
O mais difícil é quando você tem que fazer a escolha e a carta de vinhos do restaurante é muito limitada, não oferecendo nada daquilo que você imaginaria como boas alternativas. Isto é mais frequente com vinhos brancos, geralmente com menos opções. Como sua durabilidade é bem menor, faço uma recomendação especial: insista em saber a safra antes de concordar em abrir a garrafa. Muitas vezes, a safra não está indicada na carta ou já mudou. Se escolher um vinho que não tem muita saída, aumentam as chances de receber uma safra muito antiga, já oxidada ou tendo perdido o frescor.
2. Harmonizações Étnicas
É interessante notar que a cultura de diversos países e regiões converge naturalmente ao longo dos tempos para comidas típicas que combinam muito bem com os vinhos da própria região. As massas italianas regadas a molho de tomate pedem naturalmente um vinho italiano de boa acidez, como um Chianti ou Valpolicella. Assim, quando a inspiração para buscar algo inusitado estiver escassa, a solução pode estar na própria origem do prato.
3. Harmonização x modo de preparo dos alimentos
São muito frequentes as indicações de vinhos tintos para combinar com carnes vermelhas, assim como brancos para peixes. Há, no entanto, um outro aspecto muito importante a ser levado em conta na harmonização, representado pelo modo de preparo desta carne ou deste peixe, que pode mudar totalmente a escolha do vinho ideal para o prato. Há diversas formas de cocção dos alimentos, que vão produzir sabores diferentes, em graus ditintos de intensidade. Um peixe cozido no vapor será muito mais suave que o mesmo peixe frito ou grelhado na churrasqueira.
Pochear e Cozer no Vapor. Esses são os modos mais suaves de preparo, preferidos para alimentos mais delicados e que necessitam preservar cor, sabores sutis, frescor, texturas, umidade e sucos naturais. Exemplos: hortaliças, peixe, frutos do mar, frango, ovos, etc. Os chineses são mestres nesta técnica.
Pela suavidade, os vinhos mais adequados serão leves, frequentemente brancos. Entre os tintos, vamos buscar os menos taninosos. O caldo utilizado para pochear é também importante. Assim, as suaves vieiras pocheadas em água serão agredidas por um Sauvignon Blanc da Nova Zelândia, com sua acidez pungente e fortes sabores herbáceos e frutados. Por outro lado, se o caldo for ao estilo thai, com gengibre, alho, limão e chili, haverá um equilíbrio na potência dos sabores do vinho e do prato.
Um clássico francês, peras pocheadas em vinho tinto são um dos raros pratos feitos com vinho tinto que pedem um branco para acompanhar, como por exemplo um Rieslng de sobremesa.
Fritar. A fritura provoca uma rápida transformação no alimento, em alta temperatura. Os efeitos variam segundo a quantidade de óleo, temperatura, tipo de gordura, azeite, banha de porco, gordura de assados, manteiga ou margarina, além do tipo de frigideira e da opção do alimento ser previamente empanado. Alguns alimentos fritos em muito óleo muitas vezes são servidos com uma rodela de limão para equilibrar a gordura, adicionando uma acidez que dificultará muito a vida de um vinho tino, pois intensifica os sabores amargos dos taninos; normalmente vão combinar melhor com um vinho banco e bom frescor ou tinto leve.
refogar e Ensopar. Pela preparação lenta, amaciam carnes duras e consideradas menos nobres, extraindo deliciosos sabores. Se o líquido de cozimento contiver vinho tinto, o prato, via de regra, deve ser acompanhado de um vinho tinto, mesmo que utilize carne branca. Se contiver vinho branco, em geral harmoniza-se com vinho tinto, a não ser que seja baseado em carne branca e ingredientes suaves. Ensopados com cervejas vão pedir um tinto de corpo leve a médio.
Os ensopados e cozidos mais encorpados combinam bem com vinhos Nebbiolo e Syrah do Rhône. Quando há muitos legumes como cebola, cenoura, batata, abóbora e tomate, que adicionam um toque adocicado, ou com carnes de aves e porco, é melhor harmonizar com vinhos menos taninosos e mais frutados, como Malbec, Rosso di Montalcino e Pinot Noir do Novo Mundo.
Grelhar. Os grelhados em geral são preparados rapidamente, em fogo alto, dourando os alimentos por fora, o que aumenta a intensidade de sabor e confere um toque defumado e caramelado, deixando o interior suculento. Quando se usa carvão, aumenta-se o sabor defumado. Pela sua maior intensidade de sabores, os grelhados naturalmente demandam vinhos mais encorpados.
Vinhos com caráter tostado ou defumado (proveniente do estágio em barricas) oferecem uma harmonização complementar por aromas. Exemplos de tintos: Syrah, Zinfandel, SAngiovese, Nebbiolo, Pinotage e Mourvèdre; brancos: Chardonnay barricado, Viúra, Marsanne e Pint Gris.
A carne mal passada vai muito bem com um tinto taninoso, tomando-se o cuidado de não exagerar no sal, que reforça o amargor dos taninos. A adição de pimenta realça o sabor de vinhos mais simples. A adição de limão ou outro componente ácido no remete imediatamente para um vinho com menos tanino e mais acidez. Já a carne bem passada traz mais componentes amargos, que vão brigar muito com os taninos; é preferível um vinho de menor corpo.
Assar. Os assados também usam calor seco para intensificar o sabor da parte mais externa, ao dourar a carne, conferindo o característico sabor de assado. Muitas vezes se adicionam ervas, que têm mais afinidade com vinhos brancos que tintos; se for um prato de sabor intenso, vale a pena procurar um vinho tinto que tenha um caráter herbáceo ou de especiarias, como Carménere, Syrah ou tempranillo.
É interessante notarr que, quando a carne assada esfria, a textura fica mais densa e o sabor se modifica, devido à gordura fria e solidificada, que cria uma incompatibilidade com os taninos do vinho. Para a carne fria, portanto, vamos buscar um vinho com menor conteúdo tânico como por exemplo um Beaujolais-Villages ou um vinho à base da uva Pinot Noir.
E então, faz sentido dizer simplesmente que um vinho combina com peixes ou com carnes vermelhas?
4-Harmonização x Estilo do vinho
Vários autores sugerem classificações para os diferentes tipos de vinho, a maioria delas com propósito didático incluindo técnicas de elaboração dos vinhos. Prefiro classificar os vinhos em 11 estilos, analisando-os do ponto de vista do consumidor e da forma de harmonização dos vinhs. Sob esta ótica, por exemplo, não adoto a definição clássica de vinho fortificado: distingo os Fortificados Secos (ex. Jerez ou Porto branco), que têm função de aperitivo, enquanto que os fortificados doces (ex. Porto Tinto) recaem no estilo de vinhos doces.
Esta forma de classificação possibilita que para cada estilo possamos ter as indicações básicas de harmonização, simplificado muito o trabalho de escolha de um vinho. Daí, é possível buscar refinamentos, com base nos conceitos acima, para intensificar o prazer da harmonizações.
Os 11 Estilos de Vinho
4 Brancos: Leves, Médios, Encorpados e Aromáticos/Semi-secos
1 Rosé
3 tintos: Leves, Médios e Encorpado
3 Especiais: Espumantes, Fortificados Secos e Doces
As harmonizações dos estilos ficam para uma próxima ocasião.
5. Conclusão sobre Enogastronomia
A graça da harmonização consiste exatamente em tentar nova combinações, que possam trazer novos prazeres à mesa. tente sair da mesmice e arriscar um pouco. Use os conceitos aqui descritos como guia, mas procure variar a solução. É bom ter em mente que nem sempre vai dar certo, mais pratique e acumule experiência.
Uma opção que muito me agrada é escolher dois vinhos diferentes para o mesmo prato e comparar os resultados. É interessante tentar explicar, à luz dos conceitos aqui desenvolvidos, porque um vinho harmonizou melhor que o outro. Se nada der certo, nada de reclamar! Sorria, separe os goles de vinho da comida com copos de água e pratique o 2+2=4. Divirta-se!
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